A efervescência da produção de cinema na Região do Cariri

Na década de 1930, chegaram as primeiras pessoas para fotografar o Cariri. Um deles foi o sírio-libanês Benjamin Abrahão, que se juntou ao grupo de Padre Cícero e Floro Bartolomeu e conseguiu fazer as primeiras imagens de Lampião no sertão, numa câmera filmadora de 35 milímetros. Com a morte do 'Padim', muita gente começa a ir a Juazeiro do Norte documentar, principalmente, o fenômeno das romarias e o crescimento da cidade, a partir da figura mitológica do Patriarca do Município.

Mas, é na década de 1980, com Rosemberg Cariry e Jefferson de Albuquerque, que os primeiros filmes são feitos por produtores locais. Em sua maioria, com temas regionais, em forma de documentário. Surgem nesse período, por exemplo, produções como "Dona Ciça do Barro Cru" (1981), "Músicos Camponeses" (1983) e "Caldeirão da Santa Cruz" (1986). "Isso começa a ampliar as noções de temáticas. Mas tudo voltando a um olhar influenciado na Caravana Farkas. Tudo mais documentário, pouca ficção", explica o cineasta Ythallo Rodrigues.

Só que, em 2002, um Curso de Cinema oferecido pelo Instituto Dragão do Mar de Arte e Cultura, realizado no Cariri, impulsionou a formação de produtores de filmes locais. Ythallo Rodrigues foi um deles, que decidiu ampliar os conhecimentos e participou da Escola de Realização em Audiovisual, em Fortaleza, da Vila das Artes, em 2006.

O cineasta já dirigiu 15 filmes, mas participou de outros 15, seja na fotografia, assistência de direção ou no roteiro. Apesar do número expressivo de produção, Ythallo acredita que o cinema do Cariri ainda deixa muitas lacunas, principalmente, em longas-metragens. Para ele, os trabalhos são feitos isoladamente. "Sempre foi muito incipiente. Nunca teve uma continuidade. Há quantos anos um realizador daqui não faz um longa no Cariri? Faz muito tempo. Esse tipo de coisa não rola. Têm rolado alguns curtas", acredita .

Por outro lado, os curtas-metragens têm ganhado cada vez mais força no cenário local. Muitos estão sendo exibidos em festivais em vários lugares do Brasil e do mundo. É o caso de "Candeias" (2017), lançado em fevereiro, que mostra a Procissão das Velas, que acontece durante a Romaria de Nossa Senhora das Candeias, em Juazeiro do Norte. A produção, feita pela O Berro Filmes, teve cinco dias de gravações e foi dirigida por Reginaldo Farias e Ythallo Rodrigues.

Fascinação
"Quando sentamos na perspectiva de fazer o nosso primeiro projeto, esse tema veio naturalmente, por conta dessa fascinação que todos nós temos por essa procissão. A procissão das velas carrega uma espécie de deslumbramento no imaginário de todos nós e isso é o principal motivo por termos começado a existência da nossa produtora por ela", garante Ythallo. Até o mês de outubro, foram 10 exibições de Candeias, incluindo a participação no 22º É Tudo Verdade, realizado no Rio de Janeiro e em São Paulo, considerado um dos mais importantes festivais dedicados ao documentário na América Latina.

Selecionado em outras mostras, nos meses de novembro e dezembro, serão 13 exibições, entre elas, na Bulgária e na Colômbia. Utilizar a linguagem do cinema para debater a cidade e refletir o espaço foi a forma encontrada pelo professor e cineasta Glauco Vieira. Em 2002, quando chegou ao Cariri, também participou do curso do Instituto Dragão do Mar. Dali, começou unir a pesquisa acadêmica com as câmeras. No curso de Geografia da Universidade Regional do Cariri (URCA) surge o Imago, grupo de pesquisa em cultura visual, espaço e memória.

Antropologia
"O Cariri é alvo de registros antropológicos. Hoje, o audiovisual é ferramenta da pesquisa, e vem sendo revigorado. Fica coabitando com a pesquisa acadêmica. Estamos vivendo um tempo de repensar a academia com as linguagens da arte. Hoje está se naturalizando em todas as ciências, o audiovisual, além da Antropologia, que foi pioneira", explica Glauco Vieira.

Dentro da URCA, a disciplina Geografia e Mídia tem estimulado os estudantes a produzirem seus próprios curtas a partir da observação dos lugares. "Um olhar sobre as cidades, sobre os sujeitos, um olhar reflexivo, de provocação", explica Glauco. O professor conta que, no fim das aulas, os alunos realizaram uma mostra com seus próprios trabalhos. Nove filmes no total. Ele destaca o "Parque sem Exposição", que faz uma reflexão sobre o uso do Parque Pedro Felício Cavalcante fora do período de Expocrato. "Quem usa esse parque? Qual o cotidiano dele?", provoca o professor.

É este olhar de revisitação da cidade que Glauco Vieira acredita que o Cariri e seus cineastas proporcionam e que as releituras são bem-vindas. "No Cariri tem uma cena de densidade no audiovisual por conta da mesma diversidade de olhares. Você tem desde os olhares de representação formal da região, e outros que fogem desse código mais padrão, fogem do clichê".

Violência
Nessa perspectiva, surge o projeto "Travestis", da fotógrafa e cineasta Nívia Uchoa, que, desde 2015, está gravando um documentário que narra a perspectiva das travestis de Juazeiro do Norte nas romarias, no ativismo e na violência que sofrem. Este ano, por exemplo, duas delas foram assassinadas no Município.

"O foco era mostrar a fé delas e a diversão, tanto as travestis locais como as que vêm de fora, e o que fazem nas romarias. Como no documentário a gente está sempre em pesquisa, depois dos assassinatos, eu mudei o foco para a perspectiva da violência e do ativismo", expõe a cineasta.

Nívia Uchoa acredita que o cinema é uma ferramenta de denúncia, mas também pode discutir, criticar, absorver e passar mensagens. "A gente tem que fazer políticas alternativas autorais na arte. Defender e fazer uma militância, a partir dessa voz nossa e delas, também. A imagem é muito importante, chega muito rápido. A perspectiva de conversar, construir assuntos determinantes, é a bola da vez. A imagem diz", completa.

A intenção é que o filme seja finalizado até fevereiro de 2018 na Romaria de Nossa Senhora das Candeias. O resultado, a princípio, é um curta-metragem, mas também pode render um longa. Como se trata de um projeto independente, "Travestis" conta com apoio de amigos da cineasta. "Documentário a gente não fecha. É uma coisa cotidiana, minha veia é de cotidiano", conclui.

ANTONIO RODRIGUES
COLABORADOR

Fonte: Diário do Nordeste

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