Receita caseira promete tratar a chikungunya

Ainda não existe tratamento antiviral específico e eficiente para a chikungunya, uma arbovirose causada pelo vírus chikungunya (CHIKV), transmitida pela picada de fêmeas dos mosquitos Aedes aegypti, para muitos com certeza a doença mais incômoda da última década, podendo causar até mesmo a morte. Por esses motivos os remédios caseiros e fitoterápicos estão sendo cada vez mais procurados por quem, além da febre, de início aguda, enfrenta cefaleia, náusea, fadiga e exantema e dores articulares e musculares.

Impacientes com a demora no tratamento convencional, moradores de Boa Viagem, uma cidade do Sertão Central distante 200Km de Fortaleza, passaram a buscar na medicina caseira, e nos fototerápicos, como são conhecidos cientificamente esses medicamentos, uma solução para o problema. Principalmente os mais idosos não aguentavam mais as dores nas articulações das mãos, dos braços e das pernas, que podem se estender por meses e até anos. Estavam se sentindo como zumbis quando caminhavam pelas ruas.

Foi quando começou a circular pela cidade a receita do vinho com marimbondo. No começo houve até brincadeira e trocadilho do nome do pequeno inseto voador, parente das abelhas e das formigas, com "moribundo", quem está à beira da morte, como a maioria dos doentes se sentem. Mas como quem se curou é considerado sério, a dica do novo remédio contra a chikungunya ganhou respeito e está se espalhando pela cidade.

Quem descobriu a curiosa fórmula medicinal foi uma moradora do bairro Tibiquari, a aposentada Francisca Mendes de Sousa, 71 anos, conhecida como "Fransquinha". Não demorou muito para os vizinhos saberem da novidade e também arriscarem na dica. Antônio Francisco de Sousa, conhecido como "Antônio Inácio", foi um deles.

"Há mais de ano não conseguia mexer os braços e nem as pernas. Agora está mais aliviado e acrescenta apenas faltar coragem para o tratamento definitivo. "Ouvi falar que quem foi picado pelos maribondos se curou em definitivo".

Agora, todos os dias, eles e outros moradores de Boa Viagem afetados pela chikungunya tomam diariamente uma dose de vinho tinto misturados com alguns maribondos. "A cada dia aumenta o número de pessoas à procura do tratamento. Não são apenas os mais humildes a acreditarem na receita. Pessoas muito esclarecidas estão elogiando o medicamento caseiro, mas não deixam de consultar o médico e tirar dúvidas com profissionais farmacêuticos", comenta o radialista Erialdo Costa.

Entretanto, Fransquinha e Antônio Inácio recomendam a outras pessoas com os mesmos sintomas, principalmente com dores nas juntas ósseas a procurarem orientação médica. Embora esteja dando resultado, estão tomando o "vinho de maribondo" por conta e riscos próprios. Mesmo assim, ambos estão satisfeitos.

Ela, que não conseguia sequer pentear os cabelos, voltou até a apanhar água no chafariz próximo da sua casa. Ele não tem mais dificuldade em caminhar até as casas dos amigos.

Antônio Inácio gosta de remédios caseiros e naturais, e também de receitas para prevenção de doenças, dentre elas, uma garrafa de babosa com mel de abelha italiana, muito boa para câncer de próstata; também um chá de Quebra Pedra, muito bom para os rins e outro chá é o de macena, para quem tem problema no fígado. A lista de medicamentos é enorme, só das plantas, e tem ainda a dos animais.

Popularidade
O secretário de Saúde de Boa Viagem, Willames Vaz, confirma a popularidade do vinho com maribondo na cidade, todavia, após conseguirem reduzir os índices de infestação predial do Aedes aegypti, aconselha os pacientes, por mais positivos que sejam os resultados, provavelmente mais por questões psicológicas, a procurarem as unidades de saúde da família, onde podem ser examinados e receber orientação médica, vez que, além de não existirem estudos, os efeitos benéficos são apenas placebos.

As receitas caseiras realmente são esquisitas, mas eficazes. Um exemplo é a gordura de cururu, um animal anfíbio escasso nesses tempos de estiagem prolongada no sertão do Ceará. Mas quando o sapo aparece em abundância ainda há quem capture o bicho, faça um corte na barriga, extraia a gordura, em seguida o suture e o solte novamente. A substância untuosa extraída, transformada em óleo, é utilizada no tratamento de inflamação na garganta. Quem usa diz ser eficaz.

Na avaliação do farmacêutico Micael Nobre, coordenador da Assistência Farmacêutica dos municípios de Aracoiaba e Guaramiranga, no Maciço de Batutité, devemos respeitar a "medicina popular" em razão da sua cultura e também da eficácia de algumas receitas.

Todavia essa história de se não fizer o bem, o mal não faz, deve ser observada com cuidado. Somente o profissional da área, com formação acadêmica, tem conhecimento para orientar corretamente o paciente. Ele alerta que o excesso pode causar intoxicação e outros males. O mesmo ocorre com os fitoterápicos, medicamentos feitos à base de vegetais.

O farmacêutico cita como exemplo a babosa. Houve um boom apontando ser o melhor medicamento para o tratamento dos rins, todavia, quando foram concluídos estudos científicos os pesquisadores constataram que o consumo fitoterápico é responsável pela formação de cristais e ainda piora os sintomas de quem tem gastrite. Hoje, o óleo e o gel natural são aconselhados apenas para uso externo.

Opinião do especialista

Uso deve ser com parcimônia
"Estamos inseridos numa cultura milenar onde utiliza-se remédios caseiros, muitos deles à base de plantas medicinais para tratar várias enfermidades. A vasta opção de espécies que temos em nosso estado bem como os diversos estudos que são realizados por várias entidades sérias e comprometidas nos mostram que essa prática, quando feita de maneira responsável, tem muito a agregar à saúde e bem-estar da população. Contudo, erroneamente, muitas pessoas têm a convicção que aquilo que é natural não faz mal, e diante disto utilizam diversas formas e insumos para tratar doenças. Como farmacêuticos, nós devemos estar atentos a este tipo de situação e orientar a população, já que muitos produtos utilizados para a fabricação desses remédios caseiros não têm qualquer evidência de eficácia e cultivo seguro gerando um risco à saúde, quando também muitas pessoas desistem dos tratamentos convencionais e passam a utilizar somente esses remédios sem qualquer tipo de orientação. As dificuldades ao acesso à consulta médica, medicamentos e às orientações farmacêuticas fazem com que muitas pessoas busquem outras alternativas, pondo-se em risco ao utilizarem esses remédios inadequadamente.

Quando usado com parcimônia, o vinho tem várias propriedades benéficas para a nossa vida, todavia, seu uso irracional pode trazer malefícios à saúde. Não existe qualquer associação na literatura e nenhuma descrição nos órgãos de controle sobre a associação do marimbondo, seja pela ingestão do inseto, bem como pela utilização de sua picada, ao vinho para o tratamento da Chikungunya. É importante salientar quanto aos riscos desta prática, já que através da picada do inseto são desencadeados diversos efeitos tóxicos e imunológicos sérios.

A população em geral deve ficar sempre atenta a tratamentos revolucionários, e não colocar sua saúde em risco. É importante que antes de iniciar qualquer tratamento, procure conversar com seu médico e seu farmacêutico evitando algum evento inesperado ou agravamento do seu quadro de saúde.

Juliana Pinheiro
Farmacêutica Clínica e especialista em Oncologia

HONÓRIO BARBOSA
COLABORADOR

Fonte: Diário do Nordeste

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