Flamenguista ‘mais fanático do Cariri’ transforma a casa e carrega o time no corpo

São mais de 40 milhões de torcedores e 122 anos de fundação do Clube de Regatas Flamengo. Dentre essa multidão rubro-negra, inúmeros fanáticos que dariam a vida pelo “Mengo”, como eles chamam o time de coração. Em Juazeiro do Norte, cidade a mais de 2.500 km de distância da sede da Gávea, no Rio de Janeiro, um ilustre torcedor. Ele também ostenta um título: “sou o maior símbolo aqui do Cariri”, diz orgulhoso.

Cícero Jorge Rodrigues, de 45 anos, já foi o “Romário”, mas hoje é conhecido como “Maradona”. O juazeirense vive Flamengo. Literalmente. Sua história de amor com o time carioca surgiu há mais de duas décadas. Antes, porém, o pai de Jorge, “flamenguista fanático”, viu “perder” sua outra filha para o arquirrival. “Minha irmã torce Botafogo”, diz, em meio a uma sorriso amarelo. “Não teve jeito. Ele [pai] até tentou, mas não conseguiu fazer com que ela torcesse o Mengão”, completa.

O desejo de ver os dois filhos vibrando com o Flamengo foram catalisados ao Jorge. E deu certo. “Sou apaixonado pelo Flamengo. É minha maior paixão”, diz, ostentando, com orgulho, a réplica da camisa utilizada pela geração campeã do Mundo, em 1981. “Foi um título incrível”, comemora, como se em uma fração de segundo ele revivesse em sua memória aquele jogo, contra o Liverpool, em 13 de dezembro, vencido por 3 x 0, numa rara superioridade de uma equipe brasileira sobre um time europeu numa decisão de Mundial.

“O Nunes jogou como nunca antes tinha jogado”, diz ele, recordando os dois gols marcados pelo jogador. “Zico foi um monstro”, acrescenta o fanático torcedor. O que torna Maradona um ícone na região não é, no entanto, não é apenas sua memória impressionante. Nas ladeiras da rua do Horto, bairro tradicional da cidade, cuja fé parece está mais viva do que em outros locais, as casas costumam ter, já na sala de entrada, inúmeros quadros e imagens de santos.

Centenas deles compõem o ambiante sui generis daquela comunidade. Na residência de Jorge, ou melhor, do Maradona, como ele corrige sempre que é chamado de forma diferente, a composição do cenário ganha um novo arranjo.

As molduras são em preto e vermelho. Ao lado das imagens santas, incontáveis ícones que remetem ao clube carioca. Posteres, fotos e camisas se misturam entre os santos, num hibridismo “sacro-futebolistico”. “Aqui vocês podem ver minhas duas grandes paixões, o Flamengo e o Padim Ciço”, aponta, mostrando a imagem do patriarca juazeirense, também cercado por uma moldura rubro-negra. A casa respira Flamengo. O local já virou ponto turístico, afirma Maradona.

Ponto Turístico
“Na Semana Santa, período em que a cidade recebe milhares de romeiros, eu não consigo dormir direito. Minha casa é invadida pelos turistas. São dezenas todos os dias”, diz orgulhoso. Não podia ser diferente. Quem sobe as ladeiras rumo a estátua de 27 metros do Padre Cícero Romão Batista, no alto da Colina do Horto, logo avista, ao lado esquerdo da estreita rua com paralelepípedos, a casa com pintura chamativa, nas cores preto e vermelha. Até a árvore, que sombreia o imóvel, carrega as cores do time de coração. “Pintei tudo”, pontua Maradona.

Se pelo lado de fora a residência chama a atenção e desperta curiosidade de quem passa, dentro, o ambiente é um espécie de Museu, ou santuário, como ele brinca. São incontáveis peças. Quase tudo nas cores preto e vermelho. O turista que visita a casa de Maradona pode escolher se quer descansar o corpo em cadeiras vermelhas ou em um puff preto e branco, com um grande escudo do time. As televisões da sala e da cozinha foram personalizadas. Assim como a moto, o capacete, a geladeira, o guarda-roupa, as pernas da cama e tantas outros móveis e eletrodomésticos.

“Tudo começou aos 19 anos. Ganhei um quadro de presente e coloquei na parede. Daí em diante, comecei a colecionar imagens, revistas, quadros e tudo que seja do Flamengo. Hoje perdi as contas de tudo que tenho. São milhares”, conta Maradona, sentado na sala de estar da casa, aos olhares atento da irmã botafoguense Lídia Rodrigues. Entre uma pergunta e outra, Lídia interrompe a entrevista e diz: “Quero ver como ele vai ficar na próxima semana. O fogão vai eliminar o flamengo na semifinal da Copa do Brasil”.

Maradona responde a provocação de forma fraterna. Apenas sorri e rebate “Ela gosta de sonhar”. Não satisfeita, Lídia entrega o irmão. “No último jogo, contra o Santos [válido pelas quartas de final da Copa do Brasil, que rendeu a classificação ao time carioca] ele teve que rezar muito”. Maradona mais uma vez sorri e ironiza: “Quem não reza?!” As orações são direcionadas ao Padim Ciço, considerado Santo pelo católicos romeiros. “Já rezei para ser campeão, já rezei para não perder, rezo sempre sim”, brinca.

A reação amigável, inclusive, é uma marca de Maradona. Ao notar a presença de “um rival em sua casa”, ele brinca. “Você é vascaíno, né?! Reparei sua tatuagem no braço, mas tenho certeza que hoje você vira flamenguista”, ironiza ele, olhando para mim. “Você deve está lembrado do gol do Petkovic, na final do Carioca de 2001”, pegunta-me. Aceno positivamente com a cabeça e ele retruca. “Padre Cícero ajudou a bola a entrar”, completa Maradona em meio a uma gargalhada de satisfação.

O amor pelo flamengo, inclusive, foi parar na pele do juazeirense ilustre. A cada foto, ele faz questão de expor suas imponentes tatuagens, em cada um dos braços. “O amor aqui é para vida toda”. Questionado se vestiria a camisa de um outro clube, ainda que por brincadeira, Maradona não titubeia. “Nem por muito dinheiro. Nunca ninguém vai me ver com outra camisa. Só visto o manto do mengão”, retruca com bom humor, que lhe é peculiar.

Ídolos
Uma das paredes da sala é destinada apenas as fotos. São dezenas, entre anônimos e famosos, ele mostra a mais recente, tirada na semana passada, com o “Papai Joel”. “Ele esteve aqui em casa”, diz, referindo-se ao técnico Joel Santana, que teve cinco passagens pelo Flamengo, a última delas, em 2012. Entre milagres e vexames, o técnico fez história no Flamengo e Maradona reconhece. “Ele foi um grande treinador, acertou e errou, como todo mundo, é um cara super do bem”, diz. Joel e Maradona se encontraram na semana passada.

O treinador estava no Cariri para disputar um amistoso, com a equipe norte-americana que comanda, o Black Gold Oil, contra o Icasa, time de Juazeiro do Norte. “Ele fez questão de vir conhecer minha casa”, conta orgulhoso. “A gente tomou café, conversamos e rimos muito. Levei até ele para conhecer a estátua do Padre Cícero”, completa Maradona, mostrando o registro fotográfico feito aos pés do Padim. Além de Joel, o zagueiro Ronaldo Angelim, filho de Juazeiro do Norte, foi outro atleta a já ter visitado a “casa rubro-negra”. Os ídolos vêm até Maradona, mas ele também vai até os ídolos.

Sonho e morte
Já foram inúmeras visitas a Gávea, a principal sede do Clube de Regatas do Flamengo, onde a maioria dos atletas do clube treinam. Apesar das viagens, um sonho ainda não foi realizado. “Todas as vezes que fui o clube estava em período de férias. Nunca assisti um jogo do Mengão lá no Rio. Meu grande sonho é ver, ao lado do meu pai, o Flamengo jogar no Maracanã”, conta emocionado, deixando um pouco de lado o tom de humor. “Meu pai foi o grande incentivador disso tudo. Eu tenho muito orgulho dele. Assim como tenho pelo Flamengo. Um dia ainda vou realizar esse desejo”, pontua.

Ao ter seu sonho realizado, Maradona diz que já pode morrer “tranquilo”. Mas nem mesmo o assunto fúnebre afasta a temática do clube. “Quero ser enterrado num caixão com as cores e o escudo Mengão, com o hino tocando”. Apesar do desejo, ele humoriza: “Mas não precisa ser agora. Quero viver ainda muitos e muitos anos para ver o Mengão ser campeão”, conclui.

Na despedida, ele faz o pedido de uma foto, seguido por uma mensagem. “Sou apaixonado pelo Flamengo, mas sou contra qualquer violência. Temos que respeitar todo mundo. Minha irmã, por exemplo, torce pelo Botafogo e nem por isso deixo de amá-la. Você é vascaíno e nem por isso deixei de lhe receber bem na minha casa e de tirar uma foto. O futebol não tem mais espaço para intolerância”, finaliza Maradona, “o torcedor flamenguista mais fanático do Cariri”.

ANDRÉ COSTA
COLABORADOR

Fonte: Diário do Nordeste

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