Folia de Reis toma conta das ruas do Cariri

Por um instante, o trânsito frenético, os passos apressados dos pedestres e agitação do centro comercial deste município, o maior do interior cearense, parou. A rotina foi interrompida na tarde de ontem, dia 6 de janeiro, para contemplação de uma das tradições religiosas mais antigas de que se tem notícia. Seis grupos de Reisados e Lapinhas, com centenas de integrantes, desfilaram pela rua São Pedro, a mais movimentada no centro, marcando a celebração do Dia de Santos Reis.

Para alguns brincantes, a tradição é considerada como “uma dança divida”. Eles tratam a manifestação “como algo que vai além da religião”. A festa secular é uma continuidade do Natalício de Jesus. Em Juazeiro do Norte, por exemplo, são vários grupos, com destaque para os bairros João Cabral e o Horto que, juntos, são responsáveis pela preservação e fortalecimento dessa tradição. Em Crato, a Fundação do Folclore Mestre Elói também atua na manutenção desta cultura.

Segundo o professor de artes, Bruno Oliveira, o Dia de Reis, está presente no inconsciente coletivo dos moradores das terras interioranas do Nordeste do Brasil, como data em que deve ser mantida a reverência, com uma grande alegria contida nos corações e um dever de quem leva muito a sério essa forma de manifestação, a brincante.

Celebrações
Os últimos dias foram marcados por apresentações de Reisado e saberes dos Mestres na região do Cariri. Durante os dias 04, 05 e 06, o Sesc, em parceria com o Banco do Nordeste, realizou o I Seminário de Políticas Públicas para Mestres e Brincantes da Tradição, cujo o objetivo foi discutir propostas que garantam a manutenção dos grupos de Reisado, compreendendo-os como patrimônio imaterial da região e valorizando as comunidades nas quais estão inseridos.

Além de mesas de discussão do Seminário, a programação incluiu também apresentações de Reisado no Terreiro da Mestra Margarida, na Unidade Juazeiro do Sesc e show com o artista Geraldo Junior no Teatro Sesc Patativa do Assaré. Além do cortejo que saiu na tarde de ontem pelas ruas de Juazeiro do Norte, houve realização de Missa campal com a Benção dos Mestres e Brincantes da Tradição na Capela de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, também em Juazeiro.

Já em Barbalha, sete grupos de Reisado se apresentaram no terreiro da Escola de Saberes, localizada na Praça Engenheiro Dória. O evento reuniu, ainda, Bandas Cabaçais da cidade e o Reisado São Luiz, de Juazeiro do Norte. Ao fim das apresentações itinerantes na terra do Santo casamenteiro, que conta com mais de 50 grupos folclóricos, incluindo o reisado do couro e penitentes, houve orações e queima simbólica das palhas do presépio de Natal.

A queima de palhinhas é uma tradição antiga preservada na região, de rara beleza e encanto. Faz parte das homenagens prestadas ao Menino Jesus. No entanto, diferente do Reisado, que tem culminância no dia 06, a queimação pode ser feita durante todo o mês de janeiro, a depender do dono da casa ou da tradição da comunidade, quando a festa é da população.

Renovação
Manter a tradição do Reisado, entretanto, não é uma tarefa simples. Além das constantes descaracterizações sofridas em alguns grupos dançantes ao longo dos anos, há a necessidade de formação de novos Mestres e do incentivo para que novos adeptos aprendam a cultura.

O artista Carlos Gomide, da Associação dos Artistas da Terra da Mãe de Deus, do bairro João Cabral, em Juazeiro, destaca que um grupo mirim de Reisado foi criado “com a proposta de perpetuar a tradição”. As crianças recebem orientações de brincantes que já possuem décadas de experiência, como é o caso do Meste Aldemir. Em sua residência, no Crato, ele implantou uma espécie de “escola do Reisado” para crianças e adolescentes. A intenção, segundo ele, é também repassar a tradição que ele aprendeu com os pais.

Fique por dentro
A festa do Reisado, ou “Folia de Reis”, termologia não muito usual no nordeste brasileiro, remonta séculos passados. Chegou ao Brasil por meio de influência ibérica, no entanto, surgiu bem antes. As festas da natividade foram tendo elementos introduzidos ao longo dos séculos, até que, por volta de 1.600 foram acrescentadas as figuras dos três Reis Magos. Com isso, surgiram os grupos de Folia de Reis, que saem cantarolando hinos e exaltando o nascimento de Jesus.

São tradicionalmente realizadas no período de 25 de dezembro a 6 de janeiro e tem sua origem primária na Festa do Sol Invencível, comemorada pelos romandos e depois adotada pelos egípcios. Tem sentido católico-cristão, mas com profunda marca pagã em sua origem.

ANDRÉ COSTA
COLABORADOR

Fonte: Diário do Nordeste

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