'Nunca tinha feito um discurso antes': quem é a estudante que viralizou ao defender ocupação de escolas no Paraná

Em poucas horas, a vida da estudante do ensino médio Ana Júlia Ribeiro virou de cabeça para baixo - do completo anonimato, ela se tornou o rosto do movimento secundarista após a repercussão de seu discurso na Assembleia Legislativa do Paraná.

Aos 16 anos, a adolescente assumiu a tribuna na última quarta-feira para defender a ocupação do Colégio Estadual Senador Alencar Guimarães, em Curitiba, um dos mais de 800 colégios ocupados - segundo números dos manifestantes - no Estado. Sua fala viralizou.

Usuários das redes sociais chegaram a compará-la com Malala Yousafzai, ativista paquistanesa que se tornou a pessoa mais jovem a ganhar um Nobel da Paz pela sua defesa à educação de meninas no Paquistão.

Em conversa com a BBC Brasil, Ana Júlia disse que não sabia da comparação - mas gostou dela. "Que incrível, a Malala é demais, a luta dela é maravilhosa."

A estudante afirmou que nunca havia feito um discurso antes e que não esperava a repercussão - e disse inclusive ter decidido desativar temporariamente sua conta no Facebook por medo de ataque de hackers.

"Está um pouco tenso porque eu não estava preparada para isso. Fiquei sabendo um dia antes e não tive uma grande preparação, separei o que já tínhamos falado na ocupação, dividi em tópicos e fui no improviso", contou a jovem.

Mesmo sem experiência na tribuna e com a voz embargada - "minhas pernas tremiam" - Ana Júlia falou com firmeza. Seu discurso não só virou um sucesso nas redes sociais, como também repercutiu na imprensa nacional e internacional.

A revista Forbes, por exemplo, chegou a chamá-la de "futuro da juventude brasileira".

Na parte mais dramática de sua fala, ela disse que os deputados "têm as mãos sujas de sangue", em referência à morte de Lucas Eduardo Araújo Mota, um estudante de 16 anos que foi morto em uma escola ocupada em Santa Felicidade, também em Curitiba.

Ao ouvir essas palavras, o presidente da Casa, Ademar Traiano (PSDB), ameaçou interromper a sessão por considerá-las uma ofensa aos deputados.

Ana Júlia pediu desculpas e citou o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). "Eu peço desculpas, mas o ECA nos diz que a responsabilidade pelos nossos adolescentes, pelos nossos estudantes, é da sociedade, da família e do Estado."

Direitos Humanos
A estudante aprendeu as disposições do ECA no escritório de seu pai, o advogado Júlio Ribeiro.

"Ela estuda de manhã e na parte da tarde ela fica no meu escritório estudando. Às vezes eu leio alguma petição ou recurso a ela e pergunto o que acha. Só que às vezes eu até me irrito porque ela fica fazendo tanta pergunta, faz pergunta o tempo todo", contou ele à BBC Brasil.

"Ela é muito estudiosa, se você dá um livro ela lê rapidinho, fica até de madrugada lendo, sempre foi assim."

Entre seus livros preferidos está O Mundo de Sofia, de Jostein Gaarder, que traça a história da filosofia ocidental em formato de romance.

"Foi o primeiro livro que, quando eu li, pensei: 'meu Deus, tem um mundo que a gente não conhece aí, um mundo que podemos descobrir e que devemos ir atrás'", explicou ela.

Sobre o futuro, Ana Júlia diz pretender cursar Direito na Universidade Federal do Paraná (UFPR) e se dedicar aos Direitos Humanos.

Mas ela não gosta de falar muito de si. Quando a BBC Brasil entrou em contato para solicitar entrevista, a estudante aceitou conversar apenas com a condição de que a reportagem não fizesse perguntas sobre ela à sua família.

"Não quero que conversem com meu pai sobre mim, tira um pouco o foco. O que tem que ser priorizado é o movimento, não tem por que falar de mim."

Apesar de hoje ser rosto do movimento secundarista, Ana Júlia diz não ter contato ou relação com qualquer entidade do movimento estudantil - e ressalta que é completamente apartidária.

"Nossa bandeira é a educação, os estudantes pelos estudantes. Não é porque pensamos diferente dos outros que somos doutrinados. Não consideramos os outros doutrinados por eles terem um ponto de vista diferente do nosso."

Ocupações
As ocupações no Paraná começaram no dia 3 de outubro - hoje, são cerca de 850 escolas, 14 universidades e 3 núcleos tomados, de acordo com o movimento Ocupa Paraná.

Os números são conflituosos: a Secretaria da Educação diz que são 672 escolas, já que durante a semana houve a desocupação de 159.

Trata-se de um protesto contra a Medida Provisória que prevê alterações no currículo do Ensino Médio e à PEC 241, aprovada na noite de terça (25) no plenário da Câmara dos Deputados, que delimita um teto para os gastos públicos, inclusive na educação - o texto ainda será apreciado no Senado.

Os alunos dizem cobrar o mínimo de debate para decidir o futuro deles e das escolas.

Como pauta específica, os alunos do Colégio Estadual Alencar Guimarães também pedem a inclusão das aulas de artes (restrita ao segundo ano) e de história (restrita aos primeiros e terceiros anos) em todo o Ensino Médio.

Críticas
Apesar da popularidade da fala de Ana Júlia nas redes sociais, as ocupações também são bastante criticadas.

O Movimento Brasil Livre (MBL), alguns pais e professores cobram que os alunos liberem as escolas.

Entre as críticas, fala-se do prejuízo causado pela falta de aulas às vésperas do Enem e do uso do movimento secundarista como manobra política para pressionar os governos do presidente Michel Temer (PMDB) e do governador Beto Richa (PSDB).

Ana Júlia nega as acusações e diz que os estudantes desejam entrar em consenso com as autoridades.

"Pedimos um canal de diálogo, queremos que (Richa) ouça nossas propostas e entre numa relação de consenso", diz.

Depois da morte do estudante de 16 anos dentro de um colégio, o impulso pela desocupação tenta ganhar mais força.

O governador Beto Richa chegou a dizer que "os líderes destas ocupações devem ser responsabilizados e responder pelo homicídio desse adolescente dentro de uma escola que participava da ocupação".

Fonte: BBC Brasil

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