Bill Gates: “Brasil é a prova de que a pobreza pode ser erradicada”

Na sexta-feira, dia 28 de outubro, Bill Gates completa 61 anos. É o homem mais rico do mundo, com uma fortuna avaliada em mais de 80 bilhões de dólares, graças a sua visionária aposta no software para computadores pessoais na Microsoft. E, graças a essa fortuna, é o filantropo mais conhecido do mundo. A Fundação Bill & Melinda Gates, que dirige com sua mulher, destina 5 bilhões de dólares (16 billones de reais) por ano à luta contra doenças como a malária, a pólio ou a Aids, além de estimular a agricultura em países pobres e outras iniciativas para o desenvolvimento. Enquanto toma uma jarra de Coca-Cola light na primeira hora da manhã, responde esta entrevista de Londres, onde esteve esta semana em atividades de sua fundação sobre os grandes desafios do futuro para a saúde mundial.

P. Por que você está organizando esse evento do Grand Challenges na Europa? Queria divulgar mais a fundação aqui?

R. O objetivo de nossa fundação não é torná-la mais conhecida, mas atrair os melhores cientistas para a pesquisa médica global e destacar as incríveis inovações que estão ocorrendo. A ideia é mostrar quais são os desafios da saúde mundial. É a primeira vez que fazemos o evento na Europa, mas fazemos muita pesquisa em toda a Europa, quase tanto quanto nos Estados Unidos.

P. Como desafios como a crise migratória e o crescente temor ao terrorismo podem interferir na ajuda ao desenvolvimento?

R. Para a fundação, desde que foi criada em 2000, a saúde mundial é a grande prioridade, porque também tem impacto na educação e na alimentação no sentido de tornar nossa sociedade autossuficiente, que é nosso objetivo. Trabalhamos muito para erradicar ou reduzir as doenças infecciosas. E crescemos muito. Em 2006 duplicamos nosso tamanho com a doação de Warren Buffet, e tivemos um bom retorno do investimento. Agora somos cerca de cinco vezes maiores. Começamos doando 1 bilhão por ano e agora doamos cerca de 5 bilhões. A crise dos refugiados nos lembra de que quando problemas tão difíceis nesses lugares nos afetam a todos. Mesmo assim, doenças infecciosas em lugares distantes como o zika e o ebola se espalham e são um risco para todo mundo com o aquecimento global e o aumento das viagens. É triste dizer, mas a crise dos refugiados sírios faz com que a gente se dê conta das difíceis condições existentes nos países pobres. O zika e o ebola, que são ruins, nos fazem perceber que ainda existem doenças infecciosas como a malária, a aids e a tuberculose. A boa notícia é que a ciência está fazendo progressos incríveis.

P. Seu objetivo é erradicar a pobreza extrema até 2030. Como se pode fazer isso?

R. É um dos objetivos do desenvolvimento sustentável da ONU. Participamos de muitos aspectos disso, porque a saúde, alimentação incluída, é muito importante, e o trabalho que fazemos na agricultura, que consiste em duplicar a produtividade de países pobres, na África, é fundamental. Para que uma economia melhore, é preciso levar em conta muitos elementos, como a governança e a infraestrutura, mas diria que a saúde, a educação e a agricultura são básicos. A pobreza caiu enormemente no mundo e superou um dos objetivos do milênio, que era reduzi-la à metade. Países como Índia, Brasil e México já não são pobres, mas têm uma renda intermediária. É uma mudança enorme. Em 1960 não havia países intermediários. Cerca de 15% dos países do mundo eram desenvolvidos: basicamente EUA e Europa, e o Japão começava a ser. Os demais 85% eram pobres. Agora a maior parte da população mundial vive em países de renda intermediária. Os países pobres, que representam cerca de 25% da população mundial, estão na África e em algumas partes da Ásia. O objetivo é baixar para menos de 3%. Sempre haverá dificuldades em alguns lugares, alguma catástrofe, alguma fome... Não é uma erradicação absoluta. Mas é um objetivo muito ambicioso. É preciso reconhecer que nos países em pior situação, como a República Democrática do Congo ou a República Centroafricana, as possibilidades de eliminar a pobreza extrema até 2030 não são muito altas. Portanto, o fim da pobreza extrema até 2030 não é um objetivo simplesmente numérico, é uma aspiração. Poderemos erradicar a maior parte da pobreza extrema. Os níveis de pobreza em termos de comida, nutrição ou oportunidades educacionais estão caindo drasticamente, e muita gente não tem consciência disso porque vê, por exemplo, que a situação é ruim no Sudão. Mas de fato, até na África, que é de longe a região mais problemática, melhorou espetacularmente. Apesar de haver problemas graves em países como Sudão, Iêmen, Somália e Síria que não podem ser subestimados de forma alguma.

P. Você tem medo de que o auge do populismo ou do nacionalismo nos países ocidentais possa ser uma ameaça para o desenvolvimento internacional e a ajuda, e para essa tendência positiva que você descreveu?

R. Sim, totalmente, é uma ameaça. É necessário um compromisso para que os países ricos demonstrem generosidade em ajudar esses países pobres, para que a humanidade trabalhe junto para resolver problemas. Não faz parte das prioridades dos eleitores, mas se há certa desconfiança em alguns países, EUA incluídos, é porque houve mudanças sociais. Com a imigração e a globalização, há trabalhadores que acreditam que sua situação melhoraria com menos livre comércio. Há aspectos distintos, e todos precisam optar entre recuar e abraçar o mundo. Não é majoritário, mas há um sentimento perigoso de pessoas que recuam. Acredita-se que a democracia atenda a essas preocupações para averiguar em que medida são legítimas e educa as pessoas quanto a quais são boas políticas. Por exemplo, o Reino Unido aumentou o orçamento para a ajuda de forma importante, até 0,7% do PIB. É algo incrível, de que se orgulhar. Apesar de poucos países como Suécia e Noruega conseguirem, os Governos europeus aspiram a chegar a esse nível. Há um consenso de que queremos solidariedade, de que queremos ajudar. As pessoas veem de vez em quando que esse dinheiro não é bem gasto, e essas histórias são mais fáceis de contar do que a história geral de quantas crianças recebem novas vacinas. A mortalidade infantil de crianças menores de 5 anos nos países pobres é de 5%, o que é uma tragédia, mas era de 10% na década de 1990, então é quase um milagre. E nosso objetivo é reduzi-la para 2,5% em 2030. Uma das razões principais por que a mortalidade infantil caiu tanto é que foi criada a GAVI (Aliança Global pelas Vacinas) em 2000. Mas EUA e os Governos europeus são doadores muito mais importantes do que nós no que se refere a ajuda. É preciso manter a sensação de que isso está funcionando, de que é uma prioridade. Esse recuo é uma preocupação quanto ao financiamento da ajuda, da pesquisa, da distribuição...

P. Nas eleições presidenciais dos EUA, que candidato representa melhor seus objetivos em relação ao tema?

R. Bem, não há dúvida de que os candidatos que aceitam mais que os EUA desempenhem um papel importante na hora de ajudar outros países se enquadrem na luta que eu e minha mulher desenvolvemos. Não dizemos em quem vamos votar concretamente porque nos identificamos muito com a fundação e a fundação é politicamente imparcial e foi capaz de trabalhar muito bem com todos os Governos, com o de Clinton no início; com o de Bush, que foi muito generoso em relação à Aids e à malária, e agora com o de Obama. Qualquer que seja o presidente, faremos o possível para trabalhar com ele. Historicamente, os dois partidos, republicano e democrata, foram bons nesses assuntos e foi fácil trabalhar com eles. Esperamos não descobrir que um dos partidos se mostra mais fechado no futuro.

P. A campanha de Hillary Clinton cogitou seu nome e o de sua esposa como potenciais candidatos à vice-presidência.

R. Nem minha esposa nem eu vamos nos tornar políticos. Adoramos o trabalho em tempo integral que fazemos na fundação. Trabalhamos muito estreitamente com todos os tipos de Governos, mas acreditamos que o maior impacto que podemos ter é trabalhando na fundação.

P. Vocês colocam ênfase na capacitação de mulheres e meninas como impulsoras do progresso. O que representaria, neste caso, ter uma mulher como presidenta dos EUA?

R. Bem, é sempre bonito que as pessoas vejam que as mulheres podem fazer qualquer trabalho e ser um exemplo neste trabalho. A eleição de uma mulher presidente seria um marco. Mas isso não resolve o problema de que, entre os pobres, os que mais sofrem são mulheres. Um grupo com o qual trabalhamos que se chama One tem um lema: a pobreza é sexista. Há um longo caminho pela frente para assegurar que as mulheres tenham um tratamento igualitário. Melinda está muito envolvida com essas coisas. Quando os países se tornam mais ricos, há uma tendência que essas desigualdades diminuam. Em nosso trabalho, é importante ver se o gênero é importante na estratégia. Por exemplo, quando se ensina às mulheres como criar galinhas, há um grande benefício não apenas econômico, mas também nutricional para sua família, ainda que seja com um ovo por semana. Por isso, se Hillary for eleita, podemos ir falar com ela sobre a importância das galinhas na África.

P. Você tem se queixado, às vezes, de que não paga impostos suficientes, mas muitas empresas multinacionais, como Apple, Google ou Microsoft, usam a engenharia fiscal para pagar menos impostos. É contraproducente em sua luta contra a pobreza?

R. Eu sempre disse que os impostos nos EUA poderiam ser mais progressivos. A boa notícia é que há margem para arrecadar mais sem criar grandes desincentivos. Em qualquer caso, tenho pagado muitos impostos, mais do que ninguém nos EUA. Paguei mais de 10 bilhões de dólares [31,3 bilhões de reais] em impostos. Em relação ao imposto sobre empresas, se os países pretendem arrecadar mais impostos dessas companhias, deveriam olhar para suas leis, como são estruturadas. No G-20 e outros organismos, a tributação das empresas está sendo analisada. As estruturas atuais fornecem os resultados atuais. É possível que algumas empresas busquem brechas e cheguem longe demais, não sei. Mas sobre o que se fala, sobretudo, é como isso está estruturado; essas empresas acabam pagando impostos principalmente em lugares de baixa tributação.

P. De que conquistas se sente mais orgulhoso?

R. Bem, tenho orgulho do meu trabalho na Microsoft, da minha fundação, da minha família. Na fundação, nossa conquista mais incrível tem sido na vacinação: que essas vacinas que eram distribuídas nos países desenvolvidos, onde as crianças tinham muito pouco risco de morrer de diarreia ou pneumonia, sejam fornecidas a todas as crianças do mundo. É uma grande conquista. Conseguimos isso trabalhando com fabricantes, baixando os preços, arrecadando dinheiro através da GAVI e trabalhando com os países para conseguir uma melhor cobertura para as crianças. Esse trabalho com as vacinas salvou mais de oito milhões de vidas. Também diria que, em segundo lugar, provavelmente, o trabalho com o Fundo Global. Temos muitas coisas, tais como a erradicação da poliomielite, que ainda não foi alcançada, mas acredito que não estamos longe de alcançá-la. E nosso plano para, eventualmente, erradicar a malária.

P. Qual seria o problema de saúde mundial ainda a ser resolvido?

R. No caso do HIV, ainda não temos uma vacina. Como o número de jovens na África está aumentando muito, a taxa de contágio vai subir. O HIV é um problema enorme. Havia esperança de se obter uma vacina em 10 anos, e hoje esse continua sendo o prazo. Mas acho que agora há muitas chances de conseguir isso. Há quatro ou cinco enfoques diferentes para se conseguir uma vacina. É uma tragédia não tê-la, porque há cerca de dois milhões de novos contágios a cada ano. Em nutrição, embora tenhamos feito alguns avanços, não são suficientes. É fundamental, porque é fantástico que as crianças sobrevivam, mas você quer que sobrevivam com todo seu potencial intacto. Na África, mais de 40% das crianças não têm o cérebro totalmente desenvolvido por causa de doenças e deficiências nutricionais.

P. Mark Zuckerberg disse que vai destinar três bilhões de dólares (9,4 bilhões de reais) para erradicar as doenças e a pobreza. Não é utópico?

R. Sem dúvida. Todos esses objetivos absolutos são. Mas Zuckerberg se deu um prazo até ao final do século. Vocês estarão muito velhos quando escreverem um artigo para verificar se o objetivo foi atingido ou não. Esperemos que, como as doenças terão sido erradicadas, terão uma saúde muito boa e poderão agradecer-lhe. De verdade, o que fez foi fantástico, e, quando fez o anúncio, eu estava lá elogiando-o. De certa forma, têm uma cobertura maior do que a nossa, porque trabalham com todas as doenças e, de certa maneira, abrangem menos, porque só financiam parte da pesquisa, enquanto nós gastamos até mais dinheiro na parte da distribuição, graças ao Fundo Global e à GAVI, do que na pesquisa. Agora somos grandes e gastamos mais em pesquisa do que o dinheiro que eles alocam, mas o que têm feito representa um compromisso enorme e é fantástico. Quando eu tinha a idade de Mark, não fazia filantropia. Ele começou muito jovem.

P. E sobre o câncer? A Microsoft comenta que o problema do câncer pode ser resolvido em 10 anos. É possível?

R. O câncer não é uma doença na qual a Fundação Gates esteja concentrada. A Microsoft trabalha para armazenar e analisar informações sequenciadas. Não são pesquisadores sobre o câncer, mas suas ferramentas digitais são muito úteis e desempenham um papel pequeno, mas fundamental. Venceremos o câncer em 10 anos? Provavelmente não, mas, a médio prazo, provavelmente sim. Os avanços sobre o câncer são incríveis. Em muitas dessas coisas, temos a tendência de superestimar o que podemos fazer no curto prazo e subestimar o que podemos fazer a médio prazo. A ciência médica está em uma idade de ouro. Os avanços são incríveis.

P. E seu hábito de comer hambúrgueres. Não é uma ameaça para sua saúde?

R. Quando viajo, acabo comendo hambúrgueres com queijos locais. Quando estou em casa com a família, podemos comer hambúrgueres 5% das vezes. Não é uma obsessão. É uma maneira rápida e fácil de comer quando estou viajando. Grande parte da dieta consiste na quantidade que você come e como você se exercita. Gosto de jogar tênis e outras coisas desse tipo.

Fonte: El País

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